O dia que a MTV popularizou “Dark Side of Oz”
Legendamos em português e demos pequenas melhoradas de imagem e som (confira o vídeo no final) na famosa reportagem da “Music Television” (MTV) americana que levou ao grande público aquela que hoje é uma das mais famosas “lendas” da música, a sincronia entre o clássico filme de 1939 “O Mágico de Oz” e o álbum do Pink Floyd “The Dark Side of the Moon“, que está completando 50 anos em 2023.
Mais conhecida como “The Dark Side of the Rainbow” (pelas cores decompostas na capa do disco semelhantes a um “arco-íris” mas principalmente pela música tema do longa, a famosa “Over the Rainbow“, cantada pela personagem Dorothy, interpretada por Judy Garland) mas também chamada de “Dark Side of Oz” e “The Wizard of Floyd“, a sincronia é real: há uma quantidade muito grande de relações entre o tema e as imagens com as letras e músicas (algumas um pouco forçadas, mas outras inquestionáveis). A única questão é se seria um (belo) caso de apofenia (fenômeno natural do cérebro humano de buscar padrões e conexões) ou se houve alguma intencionalidade pelo Pink Floyd. O engenheiro de som do álbum Alan Parsons dá essa resposta no final da reportagem e o baterista Nick Mason surge com uma declaração nada menos que genial.
Contextos
Como a própria reportagem informa logo no começo, a história não tinha surgido naquele 1997, já estava sendo comentada em grupos de fãs na internet há três anos. Porém, o DJ George Taylor Morris, responsável por iniciar a grande repercussão ao explicar a história em uma rádio de Boston (EUA), conta para a MTV que ficou sabendo através do telefonema de uma garota, que contou que viu um cara demonstrando a sincronia em uma festa 18 anos antes. Isso daria mais ou menos em 1979, apenas seis anos após o lançamento do álbum. Sendo verdadeira e precisa a história, indicaria que, seja lá quem começou, ficou circulando no boca a boca muito lentamente por quase duas décadas até chegar em grande veículos de mídia.
A bem da verdade, a mais antiga publicação que se pode achar foi feita pelo jornalista Charles Savage, que ficou sabendo da história pela comunidade “Internet Pink Floyd Newsgroup” (possivelmente a chamada “alt.music.pink-floyd“) dentro de um sistema de troca de mensagens na internet bem primitivo, bisavô das redes sociais. Ele diz em seu artigo que a postagem inicial foi feita em abril de 1995 (um ano depois do que a MTV aponta) por “alguém” que tinha ouvido de “algumas pessoas em Los Angeles” e que “a maioria dos usuários” falou para o autor do tópico “parar de tomar drogas“. Acontece, porém, que o artigo de Savege – veja-o arquivado aqui – saiu em um periódico de muito pequeno alcance (“The Fort Wayne Journal Gazette“) e não teve maiores repercussões. Foi só com o DJ Morris discutindo a história no ar na rádio de uma grande cidade em abril de 1997 que outras mídias foram investigando e espalhando até que, no mês seguinte, chegou aos grandes jornais (alguns mostrados na reportagem). Lembrando da falta do apelo visual das rádios e que o público consumidor de jornais impressos não estava exatamente alinhado com fãs da banda, foi essa matéria da MTV que deu o maior alcance entre os interessados (a publicação dela na “MTV online” – citada no final do vídeo – obviamente não está mais no ar após tantos anos, mas encontra-se arquivada aqui com a data).
Aqueles que já nasceram com a internet massificada, precisam fazer um exercício para entender a força, popularidade e pertinência que o canal musical detinha nos anos 90. Já foi exposto que existia internet e que ela já era frequentada por fãs de Pink Floyd, mas computadores eram caríssimos e as conexões idem. Boa parte dos acessos antes dos anos 2000 eram feitos em universidades, um público letrado e influente mas numericamente insignificante na população. Jornais impressos tinham influência, mas não circulação ampla e nacional, o mesmo com as rádios, mais restritas em área ainda. Já a MTV passava não só em todos os Estados Unidos como já tinha filiais em muitos países, para onde fornecia não só a licença para uso da marca, mas também parte de seu material. A unidade brasileira do canal, por exemplo, que foi inaugurada em 1990, chegou a passar algumas vezes versões um pouco picotadas da reportagem em questão feita pela matriz.
Como Sincronizar
Mesmo com a popularização da internet no começo dos anos 2000, a velocidade das conexões à internet era mínima e não era possível assistir a um vídeo em tempo real, era necessário baixá-lo primeiro, o que, até para pequenos clipes, podia demorar dias. Dessa forma, antes do YouTube surgir (lá em 2005) e na época da reportagem, só havia uma forma prática de conferir a sincronia: comprando (ou, o que era muito comum, alugando) a fita VHS com o filme. Porém, não daria “certo” apenas apertar o botão de “play” simultaneamente no videocassete e no tocador de CD (já comum naquela época). Foi daí que surgiu a preciosa e famosa informação para que ficasse “perfeita” a sincronia: “Dark Side of the Moon” deveria começar no exato momento em que o leão da MGM desse o seu terceiro rugido na apresentação do filme. Hoje, trechos e a íntegra podem ser encontrados já ajustados, mas na época era essa a informação mágica que a matéria da “MTV News” demonstrou e que os fãs não cansavam de frisar para quem reclamasse que não estava vendo nada de mais: “é no terceiro rugido“.
A reportagem também vale por um declaração maravilhosa de Nick Mason no final ao ser questionado se era verdadeira toda aquela história (na legenda em português do vídeo tivemos que abrir mão do duplo sentido em prol do tempo). Após começar de forma muito “seca“, alegando que era uma “completa bobagem” e que o álbum não tinha “nada a ver com O Mágico de Oz“, ele diz que toda a inspiração veio do “som da música“. Porém, além de ser entendida como uma explicação literal, a parte final em inglês (“sound of music“) é também o nome de outro filme clássico e também musical, que no Brasil é conhecido como “A Noviça Rebelde” (uma imagem desse filme é mostrada pela reportagem nesse momento). Como o chamado “humor inglês” é notório, o apresentador comenta a declaração com a fina ironia de que nunca se sabe quando Nick está falando sério.
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