80 anos de Rick Wright hoje: “Wet Dream” é relançado
“O Pink Floyd não teria sido Pink Floyd se não tivéssemos Rick, ele foi o som que uniu tudo. É quase aquela coisa de George Harrison: você meio que esquece que eles fizeram muito mais do que talvez lhes deem crédito.”
NICK MASON
“Quanto ao homem e sua obra, é difícil exagerar a importância de sua voz musical no Pink Floyd.”
ROGER WATERS
“Na confusão de discussões sobre quem ou o que era o Pink Floyd, a enorme contribuição de Rick era frequentemente esquecida. Ele era gentil, despretensioso e reservado, mas sua voz comovente e sua maneira de tocar eram componentes vitais e mágicos do nosso som que mais era reconhecido como sendo o Pink Floyd.”
DAVID GILMOUR
Os três colegas de Pink Floyd fazem questão de explicitar a importância do trabalho musical do tecladista Rick Wright no DNA da banda. Sendo o membro mais introvertido e reservado, muitas vezes sua personalidade quieta trabalha contra os holofotes que sua obra merece.
“Wet Dream” foi o primeiro álbum solo do tecladista, que compôs todas as faixas e produziu as gravações, ou seja, é um retrato fiel de seu criador. E como não há nenhuma participação dos outros integrantes do Pink Floyd, é onde conhecedores de toda a discografia da banda inglesa podem isolar a “variável” Rick Wright para melhor compreensão dos tijolos com sua assinatura que ajudaram na fama mundial do grupo. Mas não pelo pastiche: não há nada no disco que dê a mínima impressão de querer soar como Pink Floyd ou deliberadamente forçar para parecer diferente. É “apenas” o Rick Wright.
Lançado em 1978, logo após a fúria de “Animals” e bem antes da grandiloquência de “The Wall“, o que temos aqui são dez curtas canções, a maioria com três a quatro minutos de duração. Mas os fãs da longa e heterogênea carreira do Floyd não demorarão para se sentir familiarizados com os padrões rítmicos, estrutura, estilo e execução das canções e a suave e charmosa voz de Rick.
A “demissão”
Conhecedores da história também perceberão a importância de entender o contexto histórico: após atingir seu ápice participativo em “Dark Side of the Moon” (1973) e “Wish You Were Here” (1975), Richard Wright começou a ficar menos interessado durante as gravações de “Animals” (1977) culminando com seu desligamento da banda durante o registro de “The Wall” (iniciado no final de 1978 ainda). A iniciativa partiu de Roger Waters, que idealizara e compusera praticamente todas as músicas, mas era claro para todos (Gilmour e Mason inclusos) que Rick não queria mais estar ali:
“Quando Rick soube que teria que fazer as suas partes de teclado durante as férias de verão, ele se recusou terminantemente. Quando isso chegou aos ouvidos de Roger, ele ficou atordoado e furioso. Ele achava que estava fazendo uma enorme quantidade de trabalho e que Rick não estava propenso a fazer qualquer esforço para ajudar.”
NICK MASON, em sua autobiografia “Inside Out“
Houve uma condição:
“A situação ficou pior pelo fato de que Rick queria ser um dos produtores de The Wall– como se já não tivéssemos produtores suficiente– e Roger disse a ele que tudo bem, mas desde que ele desse uma contribuição significativa. Lamentavelmente, a contribuição de Rick era de apenas comparecer e sentar-se durante as sessões sem fazer nada além de ‘ser um produtor’“.
NICK MASON (idem)
Com o agravamento da situação, ficou acertado que o tecladista participaria da turnê, mas como músico contratado:
“Ao invés de lutar, Rick aquiesceu, talvez aliviado“.
NICK MASON (idem)
Wright pode ter-se “contaminado” pela liberdade experimentada na feitura de seu álbum solo, no ano anterior, e “perdido a mão” e o interesse no trabalho em equipe. A disparada na autoconfiança e no autoritarismo de Waters também não ajudaram, mas uma declaração indica que na implicância do baixista haviam traços de ciúmes e comparação com que Rick fizera em “Wet Dream“:
“Rick escreve essas coisas singulares, mas as mantém em segredo e depois as coloca em seus álbuns solo, que ninguém nunca ouviu. Ele nunca as partilhou. Era algo inacreditavelmente estúpido.”
ROGER WATERS, via Mark Blake em “Nos Bastidores do Pink Floyd“
“Sonho Molhado”
Rick estava bem ciente que o nome do álbum remetia ao que é chamado em português pelo esquisitíssimo termo técnico “polução noturna” (a liberação involuntária de esperma ou secreções vaginais durante o sono, acompanhada ou não por sonhos eróticos), como indicou em entrevista no lançamento:
“O título? Isso é engraçado. Então, realmente, não é um ‘sonho molhado’, é apenas um jogo de palavras. Pode ter sido um erro chamá-lo assim, mas não consegui tirá-lo da cabeça. É difícil dizer por que, realmente.”
RICK WRIGHT, para a Melody Maker em novembro de 1978
Ele detalhou o que as duas palavras significavam em sua mente:
“‘Molhado‘ porque o disco tem uma sensação meio aquosa. Alguns do Floyd também. ‘Sonho‘ –há coisas nas músicas em que questiono onde estão minhas raízes, onde quero morar, se deveria estar na Inglaterra.”
RICK WRIGHT (idem)
O local onírico que o tecladista estava se identificando era a Grécia, mais especificamente a cidade de “Lindos“, na ilha de Rodes, onde passou os seis meses anteriores à gravação (parte em companhia da família Gilmour) e compôs todas as músicas.
A identificação de Rick com o local tem a ver também com a descoberta de uma enorme paixão que levou pelo resto de sua vida: velejar.
Esse novo interesse aparece nas artes do álbum, tanto no original de 1978 quanto no relançamento:
Reparem que a nova arte utiliza a mesma paleta de cores, mas desta vez, a pessoa não identificada em shorts vermelhos brilhantes está nadando nas águas azuis profundas do mar, em vez de em uma piscina, e a imagem se expande para revelar um barco ligeiramente fora de seu alcance, fazendo referência ao tema náutico do trabalho. A nova foto foi tirada por Costas Spathis, um fotógrafo que vive e trabalha na Grécia, país onde o álbum foi escrito, e o design gráfico é de Carl Glover. A arte original foi concebida e dirigida por Storm Thorgerson e Aubrey Powell, os colaboradores do Pink Floyd na empresa Hipgnosis. Porém, quem entregou “os produtos técnicos” e superou “as loucuras ocasionais” (palavras do próprio, que ainda acrescentou que era “um prazer absoluto”) foi Rob Brimson, que revelou que numa era pré-Photoshop o azul da piscina foi conseguido colocando folhas de fórmica no fundo.
Fora da banda em que trabalhara por toda sua vida adulta e em processo de separação da primeira esposa, Rick vivia um exílio autoimposto em Rodes, onde passava os dias bebendo no bar Qupi, em Lindos, um popular ponto de encontro de celebridades. Seus olhos azuis acompanhavam o tempo todo a proprietária do local, a grega (casada) Franka. Depois que um acidente de carro a deixou no hospital por dois meses, ela recebia rosas todos os dias. “Eu não sabia quem as enviara”, acrescenta ela. “Ele só me contou depois que voltei ao bar. Ele acabou desfazendo meu casamento, dizendo ao meu já desconfiado marido que estava perdidamente apaixonado por mim“.
Eles se tornaram um casal em 1982, dividindo seu tempo entre as casas de Wright em Nova York, Nice, Londres, Grécia e seu barco, antes de se casarem em Rhodes em 1984.
“Rick não falou muito sobre o motivo de ter deixado a banda, exceto para dizer que estava farto do ego de Waters. Quando encontramos David em Lindos, os dois homens se ignoraram cuidadosamente.“
FRANKA WRIGHT via Daily Mail
O casal ficou junto por 10 anos, até Franka encontrar seu marido (já de volta ao Pink Floyd) em um barco em Atenas com uma jovem loira – grávida.
Homenagem de Gilmour
O interesse de Rick Wright pela navegação era tanto que em seu álbum de 2015, “Rattle That Lock“, David Gilmour o homenageou na música “A Boat Lies Waiting” (um barco jaz aguardando). Polly Sampson, a escritora que fez a letra, disse que foi inspirada pela própria música composta pelo marido Gilmour que tinha a “sugestão real de um barco balançando“:
“Rick morava em seu barco. De certa forma, o tempo em que você mais amava Rick era quando ele estava em seu barco, porque era quando ele era mais feliz.”
POLLY SAMPSON, em entrevista para a Entertainment Weekly em setembro de 2015
“A Boat Lies Waiting” contém a voz de Rick no início.
“Enquanto eu estava caminhando pensando nisso, provavelmente vi um barco à distância e de repente me dei conta que saberia como me expressar e que era como David estava profundamente se sentindo no momento.”
POLLY SAMSON (idem)
O casal utilizou da seguinte estratégia para testar a efetividade da canção em evocar Rick:
“Na verdade, antes do lançamento do álbum, foi a música que quando David tocava para os amigos tinha uma taxa de acerto de 100% em fazê-los chorar. Foi um pouco cruel com os ouvintes, mas nos mostrou que tínhamos acertado.”
POLLY SAMSON (idem)
Wet Dream 2023
A nova versão do álbum foi remixada pelo prolífico e premiado Steven Wilson, líder da Porcupine Tree, banda surgida em 1987 cuja sonoridade é muito paralela à do Pink Floyd. Ele entregou três formatos de áudio (“Dolby Atmos“, “5.1 Sorround” e estéreo) e todos incluem algumas passagens extras de música ausentes na edição de 1978.
Incialmente, a versão original do álbum não estaria inclusa, mas após repercussão dos fãs, que gostariam de possuí-la também, os responsáveis fizeram uma transferência direta do pré-master da mixagem estéreo de 1978 retirada das fitas analógicas, que agora será incluída no blu-ray.
Além disso, Steven Wilson fez mixagens estéreo com apenas o instrumental das quatro faixas em que Wright canta, que também serão adicionadas, tornando o que já era um blu-ray muito bom, agora verdadeiramente excelente.
O conteúdo do blu-ray agora é o seguinte:
- mixagem Dolby Atmos
- mixagem Surround 5.1 (DTS-HD Master Audio 96/24)
- mixagem estéreo em alta resolução (96/24)
- transferência direta da mixagem estéreo original
- mixagens estéreo instrumentais das quatro faixas vocais
- vídeos pessoais exclusivos e galeria de fotos da época da gravação
- livro com laminação fosca
- quatro cartões postais
NOTAS TÉCNICAS: este áudio blu-ray requer um reprodutor de blu-ray. A decodificação da mixagem Dolby Atmos requer uma caixa de som com certificação Dolby Atmos ou um receptor/amplificador AV compatível com Dolby Atmos. A mixagem Dolby Atmos será “reduzida” para 5.1 ou estéreo se um decodificador Dolby Atmos não for detectado.
Formato | Lançamento | Onde importar |
CD | 28 de julho de 2023 | Amazon |
Vinil | 29 de setembro de 2023 | HMV |
Blu-ray | 20 de outubro de 2023 | HMV |
A reedição foi supervisionada diretamente por Gala e Jamie, dois dos três filhos de Wright, administradores do espólio.
Formatos
Todas as faixas já estão disponíveis (pela primeira vez) nos serviços de ‘streaming‘ em mixagem ‘Dolby Atmos’.