Há um ano chegou às lojas última do Pink Floyd
Embora liberada de surpresa à 0 hora do dia 8 de abril de 2022 (áudio e vídeo), foi só no dia 15 de julho que a faixa recebeu lançamento físico, com uma edição em CD e outra em vinil. Junto, também foi lançada como “lado B” uma nova versão de “A Great Day for Freedom” retrabalhada por Gilmour com base nas fitas originais, acrescentando alguns novos vocais, instrumentos e backing vocals de Sam Brown, Durga McBroom e Claudia Fontaine retirados dos ensaios do Pulse.
Com a repercussão do conflito, a iniciativa recebeu enorme atenção da mídia, mas a maior parte das publicações a anunciava como “primeira música do Pink Floyd depois de 28 anos“, incluindo, aqui no Brasil, como na reportagem no Jornal Nacional no dia do lançamento. A pesquisa apressada do jornalismo considerou 1994, com o lançamento de “The Division Bell“, que permaneceu como “álbum de despedida” por 20 anos, até “The Endless River” em 2014. Mesmo levando-se em conta que o último utilizou sobras de estúdio do primeiro, novas gravações e composições foram feitas durante 2013-2014 e toda as faixas são oficialmente inéditas.
David Gilmour já havia dito que, junto com Nick Mason, idealizaram “Endless River” como uma homenagem a “Rick Wright” (falecido em 2008), aproveitando o trabalho de seus teclados já gravados, que se destacam no álbum, e que aquele seria de fato o “ponto final“. Dessa forma, foi muito grande a surpresa com a primeira gravação da banda desde “Louder Than Words“, de 2014, com os integrantes Gilmour e Mason juntos com o baixista colaborador de longa data Guy Pratt e o tecladista Nitin Sawhney. Em declarações da época, o guitarrista disse que a gravidade da situação merecia uma projeção que só o Pink Floyd poderia dar.
Para relembrar, legendamos em português (do inglês traduzido do ucraniano) o vídeo oficial:
Gravações
A única voz na música é do ucraniano Andriy Khlyvniuk, da banda Boombox. Seus vocais foram tirados diretos de uma postagem dele no Instagram direto da Praça “Sofiyskaya“, na capital Kyiv, cantando a cappella ‘Oh, The Red Viburnum in the Meadow‘ (em português: “Ah, viburno vermelho nos prados”; em ucraniano “Ой у лузі червона калина”), uma empolgante canção de protesto folclórica ucraniana adaptada durante a Primeira Guerra Mundial pelo compositor Stepan Charnetsky (pelas alterações e arranjos, os créditos de autoria da nova versão ficaram com ele, Gilmour e Andriy). A música ouvida na introdução é um pequeno trecho de um outro hino de Charnetsky interpretado pelo Coro Folclórico Ucraniano Veryovka. O título da faixa do Pink Floyd é tirado da última linha da música, que se traduz como ‘Ei, ei, levante-se e alegre-se’.
O viburno é um tipo de arbusto de climas temperados símbolo nacional da Ucrânia e muito retratado em todas as artes do país. Em português, tem o nome popular de “rosa-de-gueldres” mas nas nossas legendas optamos pela adaptação do nome científico (Viburnum opulus) pela sonoridade.
A gravação de base foi feita no dia 30 de março com o vídeo dirigido pelo aclamado diretor Mat Whitecross sendo registrado na mesma oportunidade e com o vídeo de Andriy cantando (o mesmo do Instagram) sendo projetado enquanto a banda tocava. A performance é intercalada com cenas dos estragos da guerra, sobreviventes e refugiados na Ucrânia:
David Gilmour, que tem uma nora ucraniana, disse:
“Nós, assim como tantos outros, temos sentido a fúria desse ato vil: um país independente, democrático e pacífico sendo invadido e tendo seu povo assassinado por uma das maiores potências mundiais. A frustração de ver isso e pensar ‘o que diabos eu posso fazer?’ é meio insuportável.”
A invasão da Ucrânia fez Gilmour mudar de ideia sobre o “fim” do Pink Floyd, declarado em 2014:
“Eu odeio quando as pessoas dizem coisas do tipo ‘Como pai, eu…’, mas os aspectos práticos de ter uma família ucraniana extensa fazem parte disso. Meus netos são meio ucranianos, minha nora Janina é ucraniana – sua avó estava em Kharkiv até três semanas atrás. Ela é muito velha, deficiente, está em cadeira de rodas e tem um cuidador, e Janina e sua família conseguiram levá-la através da Ucrânia até a fronteira polonesa e agora eles conseguiram levá-la para a Suécia, literalmente na semana passada.”
ENTREVISTA EM ABRIL DE 2022
Gilmour explica como conheceu Andriy e sua banda Boombox:
“Em 2015, fiz um show no Koko, em Londres, em apoio ao ‘Belarus Free Theatre’, cujos membros foram presos. Pussy Riot e a banda ucraniana Boombox também estavam na lista. Eles deveriam fazer seu próprio set, mas o vocalista Andriy teve problemas de visto, então o resto da banda me apoiou no meu set – tocamos ‘Wish You Were Here’ para ele naquela noite. Recentemente li que Andriy deixou sua turnê americana com o Boombox, voltou para a Ucrânia e se juntou à Defesa Territorial. Então eu vi esse vídeo incrível no Instagram, onde ele fica em uma praça em Kyiv com esta linda igreja de cúpula dourada e canta no silêncio de uma cidade sem trânsito ou ruído de fundo por causa da guerra. Foi um momento poderoso que me fez querer colocá-lo em música.”
Depois de “encontrar os acordes para o que Andriy estava cantando e escrever outra seção onde eu poderia ser – Gilmour revira os olhos – o guitarrista-deus do rock”, ele convocou às pressas uma sessão de gravação com Mason, o baixista Guy Pratt, que toca com o Pink Floyd e com Gilmour desde 1987, e o músico, produtor e compositor Nitin Sawhney nos teclados, sobrepondo sua música com a voz sampleada de Khlyvnyuk.
“Liguei para Nick e disse: ‘escute, quero fazer isso pela Ucrânia. Eu ficaria muito feliz se você tocasse e também ficaria muito feliz se você concordasse em lançarmos como Pink Floyd.”
DAVID GILMOUR
“E Nick estava absolutamente pronto para isso”.
A filha de Rick Wright e ex-esposa de Guy, Gala, também compareceu. Eles gravaram o vídeo para a música com Mason tocando uma bateria decorada com uma pintura da artista ucraniana Maria Primachenko (o destino de suas pinturas permanece desconhecido após o bombardeio de um museu em Ivankiv).
Enquanto escrevia a música para a faixa, David conseguiu falar com Andriy, que estava em uma cama de hospital em Kyiv se recuperando de um ferimento por estilhaço de morteiro:
“Toquei um pouco da música para ele na linha telefônica e ele me deu sua bênção. Espero que façamos algo juntos pessoalmente em algum momento no futuro.”
“Quando falei com Andriy, ele estava me contando sobre as coisas que tinha visto, e eu disse a ele: ‘você sabe que isso está passando aqui na Inglaterra na (televisão) BBC e ao redor do mundo? Todo mundo está vendo essas coisas terríveis que estão acontecendo.’ E ele disse: ‘Ah, é mesmo? Eu não sabia. Eu não acho que a maioria das pessoas tenha uma comunicação tão boa e eles realmente não entendem que, na verdade, as coisas pelas quais estamos passando estão sendo mostradas ao mundo.”
DAVID GILMOUR em entrevista para The Guardian
Sobre o registro, David declarou:
“Gravamos a faixa e o vídeo em nosso celeiro, mesmo local de onde fizemos todas as ‘lives’ da família “Von Trapped” durante a quarentena. É a mesma sala em que fizemos as ‘Sessões do Celeiro’ com Rick Wright em 2007. Janina Pedan [a nora ucraniana de Gilmour] preparou o cenário em um dia e tivemos Andriy cantando no telão enquanto tocávamos, então nós quatro tínhamos um vocalista, embora não um que estivesse fisicamente presente conosco.”
“É Pink Floyd se for eu e Nick, e esse é o maior veículo promocional; que é, como eu disse, a plataforma na qual tenho trabalhado por toda a minha vida adulta, desde os 21 anos. Eu não faria isso com muitas outras coisas, mas é tão vital, vitalmente importante para que as pessoas entendam o que está acontecendo lá e fazer tudo ao meu alcance para mudar essa situação. E o pensamento, também, de que o suporte meu e do Pink Floyd aos ucranianos poderia ajudar a elevar a moral nessas áreas: eles precisam saber que o mundo inteiro os apoia.”
DAVID GILMOUR
Gilmour falou pela última vez com Khlyvnyuk dois dias antes do lançamento surpresa da faixa:
“Ele disse que teve o dia mais infernal que se possa imaginar, saindo e pegando corpos de ucranianos, crianças ucranianas, ajudando na limpeza. Você sabe, nossos pequenos problemas se tornam tão patéticos e minúsculos no contexto do que você o vê fazendo.”
Mesmo assim, Gilmour lhe enviou a música:
“Fiquei satisfeito e aliviado por ele ter gostado. Posso dizer o que ele disse”.
Gilmour balança a cabeça, procurando seu celular e lendo a mensagem de Khlyvnyuk:
“Obrigado, ficou fabulosa. Um dia vamos tocá-la juntos e tomar uma boa cerveja depois, por minha conta.”
ANDRYI KHLYVNYUK
Gilmour sorri.
“Eu disse: ‘sim, vamos fazer isso’.”
Falando sobre suas esperanças para a faixa, Gilmour diz:
“Espero que receba amplo apoio e publicidade. Queremos levantar fundos e o estado de espírito. Queremos mostrar nosso apoio à Ucrânia e, dessa forma, deixar claro que a maior parte do mundo pensa que é totalmente errado uma superpotência invadir o país democrático independente que a Ucrânia se tornou.”
Arte
A arte gráfica da música apresenta uma pintura de 2019 do artista cubano Yosan Leon da flor nacional da Ucrânia, o girassol, mas com um olho humano no lugar do miolo. A capa do single é uma referência direta à mulher que foi vista dando sementes de girassol para soldados russos e dizendo-lhes para carregá-las em seus bolsos para que, quando morrerem, os girassóis cresçam.
Repercussão
Na semana seguinte ao lançamento, a canção “Hey, Hey, Rise Up!” atingiu o 1º lugar nas paradas em 29 países, segundo dados da plataforma iTunes, da Apple.
Entre os países nos quais a canção em prol do povo da Ucrânia, foi a mais tocada estão os mercados mais concorridos e relevantes, como Estados Unidos, Alemanha, Itália e Inglaterra (confira lista completa abaixo).
No Brasil, era a 3ª mais ouvida, colocação surpreendentemente boa considerando o histórico daqui.
1º lugar:
Alemanha
Austrália
Azerbaijão
Bélgica
Bulgária
Canadá
Dinamarca
Eslováquia
Estados Unidos
Finlândia
França
Grécia
Holanda
Irlanda
Itália
Letônia
Lituânia
Luxemburgo
Malta
Noruega
Nova Zelândia
Paraguai
Polônia
Portugal
Reino Unido
República Checa
Romênia
Suécia
Suíça
2º lugar:
Espanha
Costa Rica
Ucrânia
3º lugar:
Brasil
Áustria
México
4º lugar:
Bolívia
Arrecadação
Exato um ano após a gravação, em 30 de março deste ano, as redes sociais do Pink Floyd e de David Gilmour anunciaram que a canção já tinha ultrapassado naquele momento a arrecadação de meio milhão de libras (o equivalente, em reais, a mais de três milhões na cotação atual) que “ajudaram a aliviar o sofrimento do povo ucraniano”.
Continuem ouvindo, baixando e adquirindo a música e comprando seus produtos licenciados. O Pink Floyd doará todos os lucros para ajuda humanitária na Ucrânia. Obrigado.
COMUNICADO OFICIAL
[…] Há um ano chegou às lojas última do Pink Floyd […]